Muito menos, quando é a primeira viagem e...uma viagem para Lizarda, cidade do, então, Norte de Goiás, hoje Estado do Tocantins, pequenina localidade que carrega uma semelhança com a imaginária e incrível Macondo do escritor Gabriel Garcia Marques, do clássico 100 Anos de Solidão.
Não recordo exatamente o ano, mas era na década de 70 e eu,
criança, participando de uma aventura que era visitar a cidade natal de minha
mãe, Consuelo, e a cidade do coração de meu pai, Edésio, que lá enraizou
trabalhando com garimpo, comércio e outras atividades. Lá, o casal iniciou a
prole com os três filhos mais velhos, de um total de sete.
Mas, não era fácil chegar a Lizarda. Partimos de Anápolis num
ônibus da Viação Transbrasiliana, na rodovia Belém-Brasília. O caminho a percorrer
era de mais de 900 quilômetros, até a cidade de Miracema do Norte. Não tinha
muito conforto e as paradas eram muito, muito frequentes. Quase nem dava para
dormir. Mas, ainda assim era muito bom e divertido, pois estávamos de férias.
Naquele tempo, ainda era costume os pais tirarem férias inteiras, de 30 dias,
para viajar com a família no fim do ano, após o encerramento do período letivo
das crianças.
A chegada em Miracema foi marcada pelo cansaço e pelo
contentamento com o Rio Tocantins e os seus quase um quilômetro de largura de
muita água, quase no quintal da Tia Maria. Do lado de lá, estava Tocantínia,
basicamente habitada por índios. Para iniciar a segunda etapa da jornada rumo à
Lizarda, tínhamos de fazer a travessia do rio num barco a motor, lá chamado
popularmente de “voadeira”. Haviam muitas delas fazendo o transporte das
pessoas de um lado para o outro, junto com bagagens e comida. Não raro era ver
uma pessoa fazendo o “Pai Nosso”, pois aquela quantidade de água cortada pelo
casco do barco parecia algo ameaçador. No entanto, era uma travessia de extrema
beleza.
Do lado de lá, aguardava uma caminhonete que era conduzida pelo
intrépido Pedro “Biô”, que se vangloriava de dirigir com uma folga na direção
que era de impressionar. Os mais velhos, tomavam lugar na boleia e o restante,
na carroceria (naquele tempo não era proibido e nem num lugar daquele haveria
fiscalização) junto com um tambor de gasolina e as malas, algumas delas,
amarradas sobre a tampa aberta da carroceria. Como o carro fazia a rota somente
uma vez por semana, estava sempre lotado. O jeito era ficar em cima das
bagagens e segurar nas cordas para não cair.
A viagem começava sempre muito cedo e não havia previsão de
quanto tempo seria gasto para cumprir o trajeto de cerca de 270 quilômetros de
estrada de chão. Muitas vezes, eram dias, porque o veículo quebrava nos
atoleiros e até arrumar peça e quem consertasse, põe dia nisso. Confesso que
não me lembro, nesta primeira viagem, quanto tempo gastamos para chegar, se foi
um, dois ou três dias. Recordo, apenas, que a chegada foi já com a noite.
Mas de volta ao início da viagem, tudo pronto e o pé do Pedro
“Biô” afundou no acelerador, num ritmo frenético e todo mundo lá atrás na
carroceria pulando que nem pipoca. Como era costume, as mulheres preparavam o
frito de frango e/ou de carne seca para o almoço, geralmente, à beira do Rio
Prata, onde havia uma ponte muito extensa e pouco conservada. Todo mundo descia
e só o motorista atravessava, porque se caísse com todo mundo seria uma
tragédia. Ninguém escaparia, por causa da altura e o terreno pedregoso.
Debaixo da ponte, o almoço era inesquecível. Dá saudade até
hoje, do lugar, da comida que ficava ainda mais gostosa com a “fome negra”.
Também havia uma parada lá em Rio do Sono. A travessia era feita numa balsa
puxada por cabos de aço. Um sistema bem rústico. Ali, também, fazia-se o “Pai
Nosso”, porque o Rio era profundo, escuro, com muita correnteza e havia de
muitas histórias de acidentes naquela passagem.
Em determinados pontos da estrada, havia tanta areia que era
impossível não atolar. Todo mundo descia, ia dar um empurrãozinho para o
motorista. Mas, quando isso não adiantava, era preciso quebrar galhos de pau e
colocá-los em buracos cavados em baixo das rodas. Não eram poucos os trechos
assim, tornando a aventura um pouco exaustiva. Na verdade, era uma espécie de
rally e o prêmio era, apenas, chegar bem. As dificuldades que haviam para nós,
as crianças que seguiam na viagem, eram agravadas devido ao forte calor da
região e a grande quantidade de mosquitos nativos sedentos por sangue novo.
Éramos, com certeza, os seus alvos.
Enfim, chegamos em Lizarda. As ruas da cidade eram só areia. Não
tinha cascalho e, asfalto, nem pensar. Também não havia energia elétrica nas
casas. A iluminação no interior das casas era com candeias ou candeeiros.
Portanto, não havia chuveiro com água quente. Exaustos, mas felizes, fomos
comer a janta preparada pela Vó Araci e a Tia Ivone, com muito carinho e
fartura.
De repente, deu aquela vontade de ir no banheiro, não aquele que
já tinha visto, apenas com um chuveiro. Precisava de um vaso, e era meio
urgente. Não vou entrar em detalhes. Daí, fiquei sabendo que o outro banheiro
ficava no fundo do quintal, que era bem
grande e cheio de árvores e plantas frutíferas: manga, ata, laranja, mamão,
dentre outras. Fui levado até lá, no escuro. O vaso era um bueiro, sob uma
plataforma de madeira e um buraco no meio, na medida que as pessoas precisavam
para fazer as necessidades fisiológicas. O cheiro também não era dos melhores. Diante
a cena, passou a vontade.
Mais um, dois, três, quatro, cinco dias se passaram. Aí, já não
dava mais para aguentar, o jeito era enfrentar aquele temível banheiro. E, com
os dias já passados, já estava me sentido em casa e, então, encorajei-me e lá
fui resolver o meu problema. Ou melhor, os meus problemas: o do medo e o da
necessidade. Caminhei a passos firmes, determinados e, quando já estava quase
chegando, saiu de perto da “casinha” uma cobra preta malhada de vermelho e
amarelo bem grande. Voltei num pique só, o coração saindo pela boca. Foram mais
uns dias, até livrar-me do trauma. As necessidades, fui fazendo no contato com
a natureza. Lugar não faltava.
Era a nossa primeira de muitas viagens à Lizarda. Outras aventuras
aconteceram nestas idas e vindas. Mas, de fato, por ser a primeira, esta a
gente nunca esquece.
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