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Homem na lua, a carroça e o barquinho


  

Tem coisas da infância que a gente nunca esquece: os amigos, as brincadeiras, as broncas dos pais, os puxões de orelha na escola e aquela propaganda de televisão em que a menina ganha o seu primeiro soutien. A lista, certamente, é muito extensa. E não poderia ser diferente, pela intensidade que representa esta fase de nossa vida.
  Particularmente, uma das lembranças da infância remonta ao dia que em o homem viajava rumo à lua. Apesar da pouca idade, aquele momento histórico me ficou gravado na memória. A televisão exibia a imagem em preto e branco, não tinha a qualidade de hoje. Mas transmitia um feito histórico para a humanidade. Na época, não tínhamos acesso a filmes de ficção, então não havia como fazer um comparativo entre aquilo que se passava na tela com qualquer outro tipo de produção. Até hoje, minha mãe não acredita que o homem viajou ou pisou na lua. Para ela, é pura fantasia.
  A casa estava cheia, abrigando vizinhos e amigos que iam compartilhar aquele momento. E, para nós, crianças, tudo era motivo de festa. Sabíamos, apenas, que algo de muito importante estava acontecendo, para deixar as pessoas grudadas no aparelho de TV horas e horas.
  Entre uma olhada e outra na programação “espacial”, fazíamos brincadeiras e corríamos de um lado para outro. Tamanha atenção, os adultos davam umas “pratas” para irmos comprar algumas besteiras, geralmente, balinhas, porque a grana era curta e, na época, chocolate e refrigerante era luxo. Só de vez em quando rolava uma Jaó ou uma Crush e um Bizz ou um cigarrinho de chocolate Pan ou, ainda, aquele chocolate de Nescau em forma de guarda-chuva. As balinhas eram aquelas com que tinham na embalagem um carta de baralho; depois, a Soft, redondinha, que era boa de engasgar; e o chiclete o tradicional Ping-Pong. E os doces: o casadinho; o de leite naquela casquinha parecendo de sorvete; maria-mole e o suspiro, bom feito isopor doce.
  Pois bem, numa dessas coletas de moedas, saí- como se dizia antigamente na crônica policial- em desabalada carreira em direção à venda do Lima. Porém, sofri um pequeno tropeço e parei debaixo de um Corcel branco que virava à esquina, por um dentista pai de colegas meus no Colégio Cosmorama. Ele, habilidoso, freou quase em cima de minha cabeça. Foi por muito pouco. Quase não sobrevivi para ver o homem pisar na lua. Mas, ainda consegui repor as forças, depois daquele susto enorme, e segui o meu caminho rumo às guloseimas. Meu triunfo foi tão grande, quanto aquele que se via na televisão. Pelo menos, eu achava assim. O susto passou rápido. Criança é assim, mesmo!
  Era quase uma rotina, sentar na porta de casa, numa escadinha (dois degraus) que permitia contemplar a visão da rua e da Praça das Mães. Era um lugar de contemplação, para ver os carros - não numa quantidade como a que se tem hoje e nem na enorme variedade de modelos - que dividiam o espaço no trânsito com as carroças. Algumas, eram como táxis, carregavam passageiros- chamadas de charretes. É uma lembrança vaga, mas ainda na memória, vem aquela imagem das pessoas utilizando este meio de transporte, que não causava poluição, exceto quando o animal de tração- cavalo ou égua- deixava pela via o “número 2”. O que era corriqueiro.
  Havia também as pessoas que trabalhavam com carroças, dentre elas, os entregadores de leite. Sim, houve tempo em que o produto chegava em casa com entrega à domicílio. O homem do leite avisava sua chegada soando uma corneta e gritando: “Olha o leite!”. E lá iam as donas de casa com os vasilhames receber a bebida. Aos poucos, no entanto, o leiteiro foi desaparecendo, porque na padaria, o leite já vinha ensacado. E as carroças, da mesma forma, foram sumindo das ruas à medida em que o número de carros ia aumentando, juntamente com os ônibus e taxis do transporte público. Assim é a modernidade. Ela vai chegando, trazendo novidades e deixando muitas coisas no passado.
  Não poderia faltar nesta crônica, para encerrar, o barquinho. Calma, não se assustem! Não tinha nenhuma embarcação na rua ou em casa. Era só um barquinho de papel que a gente fazia, para jogá-lo nos dias de chuva, na porta de casa, na enxurrada que passava.
  Quanta emoção na nossa vida de criança: do barquinho passando, a charrete na rua, a chegada do homem na lua. Tudo isso era uma grande viagem. Hoje é uma descoberta do tempo, aflorada pela memória. Um legado simplório que a palavra permite deixar nestas folhas de papel.

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