Avançar para o conteúdo principal

“Eu preciso saber” resgata fatos de Anápolis na ditadura

Era 1º de abril de 1964, quando o golpe de Estado no Brasil depôs o governo do, então, Presidente João Goulart, o Jango. A “Revolução de 64”, um dos episódios mais controversos da história recente do País, deixou marcas profundas e uma gama de fatos e personagens espalhados pelos quatro cantos do País. Anápolis não fugiu à regra e, inclusive, era considerada uma “trincheira” de resistência e de luta pela retomada da democracia.
Recortes sobre a “Revolução de 64” no Município estão no curta metragem “Eu preciso saber”, com roteiro e direção da jornalista Luana Cavalcante. O filme foi apresentado na noite da última quarta-feira, 13, na reunião da Associação Comercial e Industrial de Anápolis, com a participação de três dos quatro protagonistas da produção: os ex-prefeitos José Batista Júnior e Adhemar Santillo e o historiador e ex-secretário municipal de Cultura, Tauny Mendes. Não pôde estar presente o ex-secretário estadual de Indústria e Comércio e ex-secretário municipal de Governo, Mozart Soares Filho.
Segundo o ex-Prefeito Adhemar Santillo, ele e os seus irmãos Henrique e Romualdo nunca haviam participado de um partido político, embora fossem militantes no movimento estudantil e, devido ao clima instaurado no País, decidiram fundar no Município, junto com outros companheiros, o MDB, que era o contraponto para a ARENA na época em que se instaurou o bipartidarismo. Lutando contra forças poderosas e famílias que detinham poder, Henrique Santillo lançou-se candidato a vereador. Poucos acreditavam que ele pudesse obter algum êxito. Mas, ao contrário, sua eleição foi plenamente vitoriosa (obteve, naquela época, cerca de 1,5 mil votos, para um universo de 10 mil eleitores).
Ocorre que, um Juiz de Anápolis, sob alegação de que Henrique era “fichado” na polícia e seria um subversivo, tentou barrar a sua posse. Com muita luta, diz Adhemar, a situação foi revertida, porque a decisão não se embasava em nenhuma prova, era mera perseguição. O ex-Prefeito, também, narrou a dificuldade da época em combater a censura que se instalara no País e, em Anápolis, fechou duas emissoras: a Rádio Santana e a Carajá, que teve o estúdio e os seus transmissores invadidos.
Anos mais tarde, José Batista Júnior, então chefe de gabinete de Henrique Santillo, que administrou o Município entre 1970 e 1973, foi lançado para concorrer à Prefeitura de Anápolis. Os comícios do adversário da ARENA eram feitos em duas carretas, com direitos a shows com “Os Incríveis” e Globo da Morte. Batista Júnior que foi, também, vereador na Cidade, fazia a campanha numa caminhoneta. Um grande comício na Praça Bom Jesus marcou sua arrancada para a vitória nas urnas.
Oposicionista, José Batista Júnior imprimiu um forte ritmo de trabalho, mas via a necessidade de se aproximar do, então, Governador Leonino Caiado e, no dia em que havia conseguido uma audiência com o mesmo, na Capital, foi informado de que a reunião havia sido cancelada. O motivo: o então presidente Emílio Garrastazu Médici decretou a transformação de Anápolis em Área de Interesse da Segurança Nacional. Ele deu a meia volta, de Terezópolis e nem chegou a voltar à Prefeitura. Além do mandato, Batista Júnior teve os direitos políticos cassados por 10 anos.

Assalto e música
O curta-metragem “Eu preciso saber” traz, ainda, outros fatos marcantes da época. Um deles, relatado por Tauny Mendes, descreve o assalto ao Tiro de Guerra. Ele conhecia a corporação e um primo, com outros amigos, o informara sobre uma ação para a tomada de armas que haviam no grupamento do Exército. Tauny relata, no filme, que aquela ação, de fato, não só aconteceu, como repercutiu não só no Brasil, mas em outros países, inclusive, na antiga União Soviética, que apoiava a luta contra o regime de linha dura. E, obviamente, o ato enfureceu os militares. Após uma delação, Tauny acabou preso pelo DOI-CODI, o temido órgão da repressão.
Tauny e Mozart Soares Filho narraram, também, sobre os festivais musicais e a música de protesto que ecoava no País durante a Revolução. Um dos ícones era o cantor e compositor Geraldo Vandré, que fez um show no Clube Recreativo de Anápolis. A música “Pra não dizer que não falei das flores”, de Vandré, que tem um refrão: ‘Caminhando e cantando e seguindo a canção, somos todos iguais, braços dados ou não’, virou uma espécie de hino libertário e revolucionário.
“Eu preciso saber”, de acordo com o presidente da ACIA, Anastácios Apostolos Dagios, que em nome da entidade prestou uma homenagem aos personagens do filme, é uma oportunidade, sobretudo, para que os mais jovens possam entender o que aconteceu no Brasil, durante o período da Ditadura. Ele destacou, ainda, que a experiência dos ex-prefeitos, que passaram por momentos distintos e fizeram boas gestões, é importante para ajudar a construir o presidente e o futuro da Cidade.

Ficha Técnica:


Direção e Roteiro: Luana Cavalcante (foto)
Fotografia e Filmagem: Leonardo Siqueira
Produção Executiva: Jade Azevedo
Edição e finalização: Rodrigo Pyqui
Equipamento: Camafeu Filmes

Claudius Brito para o Jornal Contexto

Comentários

Mensagens populares deste blogue

    Henrique Santillo: o legado de um político que não se esgota   Claudius Brito- Matéria publicada no Jornal/Portal CONTEXTO- Não é exagero dizer que Henrique Santillo foi um dos políticos da melhor envergadura que não só Anápolis e Goiás tiveram, mas o Brasil. Não, apenas, pelo fato de ter ocupado vários cargos públicos, nos níveis municipal, estadual e federal. Mas, sobretudo, pela humildade, o zelo com a coisa pública e com a honestidade, que o marcaram numa trajetória que merece um lugar especial nos livros de história. Até hoje, ainda surge muita coisa do legado deixado por Henrique Santillo, que faleceu no dia 25 de junho de 2002, portanto, há 20 anos. Há poucos dias, uma campanha de resgate à história, realizada pela Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), trouxe à tona uma de muitas ações que marcaram a carreira de Henrique Santillo e que pouca gente conhece. A sua visão e participação num momento importante para Goiás, que foi a divisão do Estado, c...
  Do Líbano para Anápolis, uma viagem na história de Mounir Naoum   Claudius Brito- Especial para o Jornal CONTEXTO- No final da tarde da última terça-feira, 22/03, as portas da conhecida mansão da Avenida Maranhão, no Bairro Jundiaí, foram abertas. Para muitos, impressionou a beleza do lugar, a arquitetura, o verde.   Mas, de fato, a real beleza do lugar estava no lado dentro: um homem sentado num sofá, sorriso aberto e braços estendidos para quem chegasse para cumprimentá-lo. No alto dos seus mais de 90 anos de idade, humilde, lúcido e fraterno, ninguém menos que uma das principais personalidades da história de Anápolis, o empresário Mounir Naoum recebeu familiares, a imprensa e uma verdadeira legião de fervorosos amigos para o lançamento do livro: “Mounir Naoum - Do Líbano ao Centro-Oeste do Brasil”. Uma a uma, as pessoas que chegaram faziam questão de um abraço, uma pose para a foto. Devido às limitações da idade, ele não discursou no evento. Coube a Mou...

A praça era do povo I

Praça das Mães, número 163. Este foi, por algumas décadas, o nosso endereço. Meus pais - Edésio e Consuelo - eu, que lá cheguei ainda bebê, e os irmãos: Rosa, Márcio, Conceição, Alberto, Ailton e José (e, também, o Ismael), dividíamos os cômodos da casa, além da parentada que vinha de longe se hospedar, sobretudo, quando faziam algum tipo de tratamento nos hospitais da cidade. A nossa movimentada casa ficava na esquina de um logradouros que, à época, era considerado um dos principais cartões postais de Anápolis: a Praça das Mães. Um ponto de encontro da garotada, dos casais de namorados, das famílias. Ali, sempre havia alguém de manhã, à tarde ou à noite. Não havia medo. De fato, a praça era do povo! Havia muito espaço na Praça, calçadas de pedras, muita grama, coqueiros e pequenos jardins com muitas margaridas brancas. O gramado era cuidado com esmero por um “vigia” conhecido pelo apelido de “Pára-raio”. Justificava-se este apelido, pela velocidade que ele empreendia quand...